quinta-feira, outubro 14, 2004

Flores no concreto


Mangueira,
teu cenário é uma tristeza
que a pobreza escarrou.

Mangueira,
és o retrato da agonia,
és a espera que enfastia,
és o espelho que me restou.

Benfica, onze e trinta,
cada passo é um tormento.
As rosas não falam, pois não florescem
no Saara de cimento.

Mangueira,
és a eterna despedida
do que já fomos um dia,
és o jovem que se entregou.

Benfica, sete e trinta,
grito em silêncio no deserto.
Tão cansado, ainda busco
por flores no concreto.

Mangueira,
teu cenário é a certeza
de um sonho que se calou.



sexta-feira, fevereiro 21, 2003

Enquanto você dorme

Enquanto você dorme, as horas passam

Eu n?o percebo, eu n?o respiro

Cuidadoso e enternecido

Decoro cada sarda

Enquanto as horas passam

Numa outra realidade

Eu faço milh?es de planos

Penso em cada detalhe

E vivo tantas vidas

Todas elas do seu lado

Enquanto você dorme, eu me perco

Conto mais de mil hist?rias

Sinto a vida, seda macia

E o odor adocicado

Sinto o meu corpo cansado

Enquanto as horas passam

Eu ouço apenas o silêncio

Das m?os desamparadas

Dos traços, escondidos

Da voz, açucarada

Enquanto você dorme

Eu sei tudo de cabeça

E mesmo de olhos fechados

Eu guardo cada detalhe

De quem dorme ao meu lado

Enquanto as horas passam

quinta-feira, dezembro 12, 2002

Substitutos

Os sonhos murcham.

Aos 6 anos eu fui andar de barco. Um vapor barato de excursão na Região dos Lagos. De madeira pintada de branco. Talvez descascada. Na hora de embarcar, assustado pela experiência desconhecida e pelo balançar perigoso aos olhos infantis, eu chorei e não quis entrar.

Meu pai riu e me estendeu a mão.

“Entra no barco. Não vai acontecer nada.”

E, como toda criança, eu peguei na sua mão e fui.

Mas antes disso, houve a hesitação.

E ela durou por quase vinte anos.

E quando finalmente resolvi embarcar, quando enfim precisei tomar uma decisão antes que o barco partisse

não havia uma mão estendida.

Nem ninguém pra dizer que tudo ia dar certo.

(Até porque não teriam como saber que daria.)

Não havia ninguém nem para ao menos mentir.

Você entregaria sua vida e sua alma a alguém ou alguma coisa?

Mesmo que fosse seu pai a lhe dizer que ia tudo ficar bem?

E se não fosse ele? E se fosse outra pessoa em quem você confia menos?

Que te conhece menos?

E se fosse ninguém?

E se não fosse?

É assim o tempo todo. Estamos sempre, presos, naquele instante, na iminência incerta de deixar o medo e o instinto para trás e confiarmos numa voz doce e firme.

Em confiarmos em quem, ou que, naquele momento, substitui os nossos pais.

E cada vez mais eu percebo que todas as coisas ao nosso redor são simples substitutas

Daquilo que se perdeu sem volta.

Do que se desejou e nunca existiu.

Ou existirá.

Do que não conseguimos.

Apenas tudo isso.

Um mecanismo pra sairmos de casa e fazermos o que tem que ser feito.

Pra fazer a humanidade seguir em frente.



Só um brinquedo...



Em quem mais poderemos confiar e entregar nossa vida e nossa alma? Nossos medos e desejos?

E se o barco me levar pro lugar errado?

Ou se nunca zarpar?

No fundo é todo mundo assim.

Querendo segurança e querendo o desconhecido.

Temendo e desejando.

As mesmas coisas, ao mesmo tempo.

Fingindo que outras vozes são aquelas poucas as quais nos entregamos.

Substituindo.

O que se perdeu.

O que nunca se teve.

As impossibilidades e limitações.

As incertezas.

Os sonhos que murcham.

A cada dia, a cada instante.

Só um brinquedo

E um faz de conta

Eu tive milhares de pais substitutos

E todos eles me deixaram vazio.

quarta-feira, novembro 13, 2002

Quão cedo é agora?

Tem algo nessa música que é cortante, que é torto, errado. Que fere meus ouvidos.

Tudo nela recende à solidão, desesperança e desilusão.

Eu lembro como se fosse hoje.

Do canto das cotovias e dos dias que amanheciam embriagados.

E da guitarra rascante e descompassada.

A única canção que me fez chorar de luto.

Em silêncio.

Em seco.

“Quão cedo é agora?”

O quanto essa frase doía pra quem pensava que era tarde demais...

Cansado de noites demais.

Sozinhas demais.

Esse som vai pra sempre me marcar.

Pois estava sempre na tv quando eu chegava em casa

e olhava lobotomizado pro vazio brilhante

pensando em nada.

Eu nunca vou esquecer dessa guitarra

Tão torta e bêbada quanto eu.

Tão dilacerante quanto o grito que eu guardava.

Estranha e incômoda como uma ressaca após uma noite não dormida.

E o clipe...de imagens estranhas...sujas, sem nexo.

E rápidas...tão rápidas que se tornavam incompreensíveis.

Como pode ser cedo se tudo passa tão rápido?

Como pode ser cedo sob o efeito desse lamento metálico, desse choro distorcido?

E a letra...que só fui ler agora...

“Eu sou apenas um ser humano que precisa ser amado

Como qualquer outro.

Eu sou o filho e o herdeiro

De uma timidez criminosa.

O filho e o herdeiro

De nada em especial.“

Nada.

Como algo pode ser tão pessoal se não é meu?

Como pode uma música representar tão bem a solidão do fim de cada festa?

A desiludida volta pra casa?

O dia seguinte?

Quão cedo era agora naquela época?

“Quão tarde é agora?”

Eu nunca soube até o dia em que parei de me perguntar.

Não importa se é tarde quando se perdeu tudo.

Não havia mais o que esperar, o que procurar.

Não pra mim. Não outra vez.

E eu nunca mais fiquei daquele jeito, torto e descompassado.

Voltando de lugares onde não pertencia.

Com ouvidos zumbindo de tanto ouvir lamentos gritados.

Distorcidos.

De metal.

E desde aquele dia, que amanhecia cinza e cansado como todo domingo, não mais ouvi esta música.

A única que me fez chorar sem verter uma lágrima sequer.

Eu sou apenas um ser humano que precisa ser amado

Filho e herdeiro de nada em especial.

Como qualquer outro.

“Quão cedo é agora?”

É tão cedo quanto eu quiser que seja.

O tempo só importa pros que ainda esperam.

quinta-feira, outubro 31, 2002

Da série "Dramaturgia Escrota - O Humor negro em um ato"

Um amigo chega para o outro e fala, suado e afogado em constrangimento:

- Eu bato punheta pensando na sua mulher.

Do que o outro responde, com um meio-sorriso:

- Eu bato punheta pensando em você.

sexta-feira, outubro 04, 2002

Comédia em quatro atos

I

Lá vem você outra vez
Portando sorriso estudado
Seu passo felino
Corpo sincopado
Eu te procurei.
Mesmo querendo evitar.

II

Vem me tirar pra dançar
Faça a noite passar devagar
Tudo perde o sentido
Vem ser meu ombro amigo
Me drenar
Sugando meu último resquício vital

III

Como você vai?
Sabia que ia voltar.
Pra não me deixar em paz
Como da última vez
Fui te procurar
Vem me tirar pra dançar
Faz meu peito calar
E murxar
Vem me tentar
Corromper
Vencer
Arrasar
Ah, tristeza...
Vem me tirar pra dançar
Vem fazer a noite durar
Se arrastar
Vem me envolver
Sufocar
Vem me matar
Não queria você
Mas fui te procurar.

IV

Sabia que você ia voltar.

terça-feira, setembro 24, 2002

Música para os cegos

- Fala, em casa hoje? Logo você não saindo sábado?

- To sem grana e sem saco.

- Pois é . Eu também. Parece tudo meio chato, sem graça. Não sinto mais o mesmo tesão por sair pra boate, dançar pra caralho, catar mulherzinha.

- Ah, a gente encoleirou...ta mais velho.

- Ah, mas sei lá, deve ser só fase, daqui a pouco a gente vai sentir saudade de zoar e...

- As músicas que eles tocam não são as que queremos ouvir.

- Hã? Claro tem isso também, essa merda de new-metal e...

- Não. Não, você não sacou? A músicas que eles tocam não são as que queremos ouvir. Não é a que eu quero ouvir. Não são mais as pessoas que quero encontrar. Não são mais as coisas que quero fazer.

A cada saída minha...mais eu conto as horas pra chegar em casa.

Cada vez entendo menos gírias, menos códigos e posturas.

As pessoas parecem cada vez mais jovens. As mulheres, mais crianças.

E eu não gosto de olhar pra elas porque...porque...elas refletem meus erros. Meu passado. Meu tempo. Que já se foi.

E aí eu me sinto deslocado. Desperdiçado. Velho.

Não pertenço mais àquele lugar onde fomos tantas vezes.

As músicas que eles tocam não são a que queremos ouvir.

Porque eu quero ouvir algo que me traga frescor e vitalidade, e não um flashback de um final de adolescência. Eu não quero viver de passado.

Eu quero as minhas músicas, que me dizem algo, que eu vou guardar pra sempre.

Eu quero novas músicas eternas.

Daquelas que, por mais discos que eu ouça, sempre voltarei meu pensamento.

Porque as músicas são como nossas certezas

a cada dia menores e mais desimportantes.

E as que restam...o pouco que resta...a gente se agarra com o desespero de um bebê amedrontado.

E naqueles momentos em que não há com quem contar, elas dão um sentimento de conforto e crença.

Nos aconselham e nos fazem bem.

Só que agora eu quero escutá-las em casa, no escuro, quieto

Deixando os sons passearem pelos olhos fechados.

A música que eu quero é a música dos cegos.

Porque é o som quem os guia.

E é disso que eu preciso.

Quem me guie.

Não quero mais me perder.

Eu não quero mais me sentir como se tivesse perdido algum bonde, algum trem. O fio da meada.

Eu quero sentir o conforto do lar em qualquer lugar que eu esteja.

E cada vez eu me sinto menos em casa.

As músicas que eles tocam não são a que quero.

São músicas para quem não quer ouvir nada.

E de um tempo pra cá eu prestei mais atenção ao ato de escutar.

E o mais engraçado... é que as músicas são as mesmas

A que eles querem, eu já quis. Já tive. Já perdi.

E tantos outros antes de mim.

Nunca mudaram.

Rigorosamente as mesmas

Desde sempre.

quarta-feira, setembro 04, 2002

Olhos de camaleão

Era perfeita.

Daquelas que quando se vê não se pode deixar passar, não se pode deixar perder. Não se deve deixar de arriscar.

Eu tive uma idéia perfeita. Pra um texto perfeito. No meio da madrugada.

Mas eu adormeci...e a idéia se foi no sono confuso e pesado.

Não restou nada. Só o seu perfume.

Você sabe o quão vasto fica meu quarto depois que você vai embora?

Esse silêncio machuca, tortura, incomoda.

Eu gosto da sua voz. É simples assim. O que mais eu posso dizer? Pra que complicar? Eu gosto e pronto. Me deixa feliz...me faz menos sozinho.

Soa doce e familiar no telefone.

Dá pra dizer isso de modo menos puro?

Gosto de quando você diz que os meus olhos são lindos porque mudam de cor de acordo com a luz.

Eles também mudam de cor quando te vejo.

Ficam adocicados.

Tenho certeza.

Eu gosto de você do meu lado.

Mas você se vai...e até um outro dia tudo vai ficar assim: quieto.

Distante.

Saudoso.

Como eu queria lembrar daquele jogo de palavras, daquelas metáforas, daquelas sacadas geniais.

Foram embora.

Só me restou então sentar aqui e dizer a verdade.

Ser simples e direto.

Transparente.

Parecer bobo e frágil.

E escrever qualquer coisa...porque no fundo nenhuma frase vai soar como no meu peito e na minha imaginação.

Essa é a eterna frustração e busca de um escritor.

E eu sofro por isso a cada ponto final.

Mas sei que amanhã você vai me encontrar, e ao me abraçar com olhos mareados, vai dizer: “Foi lindo o que você me escreveu, amor”.

Tudo então vai ser menos quieto.

O quarto, menos vasto.

Não vai haver mais dor.

E então eu sei que vale a pena. Tudo.

terça-feira, setembro 03, 2002

Pastel de vento

Eu cheguei tão perto que é quase impossível acreditar.

Houve um momento.

Mesmo tendo acontecido comigo, eu me pergunto se foi mesmo daquela maneira.

Eu hoje precisei sair só e olhar as coisas de um outro jeito. Hoje precisei sair do meu corpo pra ver de outro ângulo o caminho que estava seguindo.

Tem horas que é preciso alguém te sacudir e apontar o que todo mundo já viu. O que está sempre lá. O que não se percebe, ou o que não lembramos.

Mostrar que não importa o que não se esquece, se isso já passou.

Que uma ferida cicatrizada não dói mais.

Eu sou do tipo que precisa de uma porrada de vez em quando.

Hoje eu precisei dar um tempo de mim mesmo. E sentar nesse bar, deixando a solidão me lembrar de como um dia tudo já foi diferente.

O maior problema de se estar feliz é que esse sentimento acaba te fazendo achar que tudo

sempre foi assim. A tristeza parece um passado distante, um sonho estranho.

Parece que não foi com você. Parece uma história que alguém contou.

Mas basta um gesto, uma palavra, um ato.

E tudo se perde e se encontra.

Tudo na vida é assim. Uma fração de segundo. Um mísero erro involuntário...

E nem sempre se tem a chance do perdão, do conserto, da mudança.

Eu cheguei tão perto que é difícil acreditar.

Hoje precisei me desligar de tudo e simplesmente ficar aqui por horas. Até perder a noção do tempo e espaço.

Eu precisei me despedir de mim pra me reencontrar.

E voltar a enxergar.

Quem eu fui e quem eu sou.

Às vezes é preciso olhar pra trás.

Mas com cuidado pra não olhar por tempo demais.

Agora eu sei.

quinta-feira, junho 13, 2002

Relicário

Há algo de especial no perfume das mulheres.

São sempre eles que eu reconheço, que não esqueço. Que as identificam.

Há algo de marcante.

Hoje eu fui dormir tarde com seu perfume em minhas roupas. No meu corpo. Um perfume tão presente que já se faz familiar e que se impregnou em mim lenta e imperceptivelmente.

Esse perfume já não é só seu.

É meu também. E ele já não é mais o mesmo. Misturou-se ao meu de tal forma que já não podemos dizer onde um começa e outro termina.

Eu hoje percebi que não sou mais apenas eu.

Percebi que agora antes de realizar meus atos, minhas vontades, minhas conseqüências eu já não penso apenas em mim. Nem poderia.

Minha voz e pensamento ecoam em outros ouvidos e mente. Minha dor fere outro peito. Minha alegria traz outro sorriso.

Eu e ela já não somos mais apenas nós dois.

Já não vivemos apenas por nós dois.

E, ao contrário do que possa parecer inicialmente, não me sinto mais preso, com mais responsabilidades, mais preocupado.

Sinto-me mais leve, pois agora são dois a segurar o fardo de certos dias. Pois agora tenho com quem dividir o que antes carregava sozinho.

Cada um de nós é dois. É os dois.

Nos mesclamos e arraigamos lenta e imperceptivelmente e já não sabemos onde um acaba e o outro termina.

Como o seu perfume, que também é o meu. Que é o nosso.

Perfumes que deram origem a um novo e único.

E que dorme essa noite em minhas roupas

trazendo a lembrança dela.

E me fazendo deitar muito mais tranqüilo.

quinta-feira, maio 23, 2002

Vinte e três

Não precisa se preocupar...

Eu não espero de você declarações, poemas, textos, frases floreadas...deixe isso para mim, que não consigo tornar palavra os sentimentos que temo e não compreendo.

É por isso que escrevo. Por vergonha dos meus pontos fracos e fortes. Pra manter o controle sobre o que é mais forte do que eu.

É mais fácil e impessoal assim. Ajuda a desabafar e seguir. E sobreviver.

Mas com você é diferente.

Eu leio tudo em seus olhos e atos. Numa transparência que não esperava encontrar. Em ninguém. Não mais.

Quando eu era mais criança, naquela idade em que a gente não se acha mais criança, eu me perguntava como poderia atrair alguma mulher, com tantos outros caras melhores do que eu por aí.

Só tempos depois eu descobri que não há pessoas melhores ou piores. Há apenas pessoas. Diferentes. E que mesmo dentro de toda essa diferença há algo que nos aproxima de umas e nos afasta de outras.

Eu não preciso de frases bonitas, meu bem.

Eu não preciso de provas materiais.

O que eu quero de você é umas das peças que encaixam maravilhosamente bem nesse quebra-cabeça maluco e esquisito que eu estou tentando montar através dos anos.

O que eu quero de você é muito mais precioso, único, especial.

Mais profundo e sincero.

Aquilo que músicos e escritores tentam exprimir, sem sucesso, desde a mais remota história.

O que eu quero de você é você.

O que te faz ser você.

Não é preciso mais.

Eu sei que não é algo fácil de se dar.

Bem como não é fácil de se pedir.

Mas ofereço, em troca, a mim.

O que me faz ser o que sou. Pro bem e pro mal.

Pode não ser muito, mas, no fim das contas, é tudo o que temos.

É o que a gente guarda e esconde por baixo do nosso dia-a-dia.

E só mostra, com muito cuidado, em raras ocasiões.

E para pessoas muito especiais.

É o que quero de você.

Não preciso de nada mais.

domingo, maio 12, 2002

Classe de alfabetização

Não chore, minha criança.

Não vale a pena.

Pois é isso que eles querem.

Se uma coisa aprendi sobre os adultos é que eles são carregados de recalques e frustrações.

Que adoram descarregar em quem não tem como se defender.

Eles não gostam que você sonhe. Que você deseje. É uma afronta.

Você deve sonhar os sonhos que eles perderam. Desejar o que deixaram passar.

E chorar as lágrimas que secaram em seus olhos cansados.

Querem que a sua vida seja a que deles poderia ter sido.

Querem que a sua vida compense a agonia dos aprisionados.

Afogando os sonhos de crianças como você, e tornando sua vida tão miserável quanto a deles.

Estar feliz e realizado pode incomodar quem não se sente satisfeito.

Ah, criança, cada um tem seu caminho....que muitas vezes se cruza com outros, mas que nunca é igual.

Trilhe o seu, e não o deles. Chore as suas lágrimas, e não as dos que não choram mais.

Não viva por quem já morreu.

Não perca o viço, a impetuosidade.

Não caia na armadilha.

Cresça mas nunca perca essa doce inocência de quem ainda acredita. Em si, nas coisas.

Siga.

Envelhecer não é ver passar os anos, não é ver os cabelos embranquecerem e caírem.

Um jovem pode tudo. Tem todo o tempo e futuro a sua frente.

Os velhos poderiam ter sido e não foram. Resmungam e se lamentam.

Cresça, minha criança, mas não envelheça.

Não como eles.

domingo, março 24, 2002

Sossego

“...olhou para o rosto lívido e calmo. Quase infantil em sua tranqüilidade.
E, ao se encontrarem, formou-se no rosto feminino um sorriso sincero."



O abraço dela levou embora a dor.

E, com a dor, foram-se as palavras.

Por que é tão mais fácil se escrever sobre a tristeza?

Por que é tão difícil passar para o papel a sensação de alívio e paz que sentimos tão poucas vezes na vida?

Algumas pessoas resolvem seus problemas. Outras os (re)vivem eternamente, prisioneiros de seus traumas e decepções passadas, deixando o medo e as lembranças guiarem seus atos e escolhas.

Eu já fui dos dois tipos.

E, por alguma razão, sempre me foi muito mais fácil escrever sobre tristeza e decepção.

Sobre perda e saudade.

(É sempre mais fácil escrever sobre si mesmo.)

Pois se apenas sobre a solidão sei escrever, abdico, então, da literatura.

Troco tudo por mais um beijo. Pelo calor da tua respiração junto à minha. Pelo modo delicado e carinhoso com que dizes meu nome.

Eu troco todas as palavras. Todas as frases. Todas. Qualquer uma.

Deixem quieta a minha alma.

Deixem seca a minha pena. Não há tinta, por enquanto. Não pra sentenças tortuosas e densos arremates.

Deixem livre o meu espírito. Ele merece, depois de tudo, lembrar o que é paz e alívio.

Antes o vazio era eu. Agora são as folhas de papel.

Que elas fiquem assim por muito tempo.

Eu troco tudo, todos os livros, todos os textos. Todas as palavras que o abraço dela levou e parecem agora tão exageradas.

Eu troco tudo.

Por um pouco do seu sossego.

segunda-feira, fevereiro 18, 2002

Ipanema Noir

Acabou o carnaval. Ipanema entardece no horário de verão.

Após um mergulho no mar me sento na areia e observo o sol se por. Depois de tantas noites sem sono, finalmente me sinto quieto e calmo.

É só uma imagem banal, de um dia qualquer.

Mas não me sinto sozinho. Ou, pelo menos, não penso nisso agora.

Não penso nesse verão, nesse carnaval.

Inesquecíveis. Mas eu me esforço.

Eu queria por tudo isso no papel. Um roteiro de um filme. Sobre quatro homens de vinte e poucos anos. Sobrevivendo num período de dúvida, de solidão, de descoberta e despedida. Apenas quatro caras, quatro moleques. Dando um passo na frente do outro e vendo onde isso vai dar, onde vai acabar.

Eu queria mostrar nesse roteiro que há, sim, como se sentir entediado e sozinho numa cidade como essa. Com praias como essa. Com garotas de biquíni como essas.

É possível, se você quer algo a mais.

Eu queria descrever todo esse processo de amadurecimento e aprendizado. Quatro amigos diferentes entre si reagindo a seu modo a coisas que, não tenho certeza (mas realmente acho), só acontecem nesse momento da vida.

As noites sem rumo, as letras de músicas, os sentimentos desperdiçados. As conversas e conselhos. A incerteza profissional.

Apenas moleques. Levando porrada.

Se há algo positivo na tristeza que andamos carregando por esses dias é o fato de podermos contar uns com os outros. De ver que não é tão estranho assim se sentir incompleto.

Que não há vergonha em deixar os sentimentos aflorarem. Em parar de se enganar.

Todo mundo é frágil, vez ou outra. E todo mundo precisa de alguém.

Por mais diferentes que sejamos à primeira vista.

Deve ser coisa da idade.

Esse foi o pior e o melhor verão da minha vida.

Por mais que tenhamos sofrido, por mais que tenhamos ficado mal muitas vezes, eu não mudaria nada.

Eu prefiro algo inesquecível a algo medíocre.

Esses dias não passarão em branco. Nem pra mim nem pra vocês.

É assim que tem que ser. Não há outro meio. Só assim se aprende e se cresce.

Ah, se eu conseguisse passar tudo isso pro papel...

Não há felicidade ou tristeza. É só o que é.

A vida.

O verão de 2002.

Vai passar.

Olhando o mar eu penso que um dia vamos rir disso tudo que tanto dói. De todas essas descobertas e expectativas.

Da ingenuidade e do frescor que o tempo vai levar.

Desses longos dias de sol noturno, com seus sentimentos jogados ao vento e suas amizades que se estreitam.

Apenas quatro caras, tão diferentes.

O insensível, o confiante, o emotivo, o inseguro.

Somos todos eles.

Cada um do seu jeito.

segunda-feira, fevereiro 11, 2002

Atropelamento e fuga

Tudo que eu queria era envelhecer.

A juventude é um monstro. Alimentado por respostas rápidas, por impaciência, por uma fome avassaladora. Por um instinto muito mais forte do que a razão. Uma inexperiência que não se percebe até que se erra.

Toda essa energia, essa vitalidade, essa força e inconseqüência nos move e nos consome.

A juventude é autodestrutiva.

A gente quer tudo. Naquele momento. Não pode ser depois.

Nos ensinam a ser assim. A viver assim, comprar assim, querer assim.

Dez minutos são uma eternidade.

Você entende? Já se sentiu desse jeito?

É como dirigir um carro em alta velocidade. Sem enxergar o que se passa a sua volta, quem atravessa a rua.

Tudo se resume a uma necessidade primal e voraz de mais realizações, de mais conquistas, de mais rapidez. Um vício destrutivo e delicioso. Adrenalina, agitação, nervosismo. Tormento.

O pé cada vez mais forte no acelerador, a cabeça cada vez mais longe do bom senso e do cuidado.

Quanto mais rápido se vai, menos se percebe as coisas. Menos se pensa.

E tem momentos na vida que a última coisa que se quer é pensar.

Que se precisa não pensar.

Só se reage. Automaticamente.

Às vezes nos esquecemos de olhar um pouco adiante.

E é daí que acidentes acontecem.

Você parou por mim.

E eu, nessa ânsia ingênua, fiz o que menos desejava: passei direto por você.

Atropelando-te com as minhas dúvidas e fome por respostas.

Passei por cima de você, do que você precisava, do que você me pediu. Machuquei aos dois, te fiz ter medo. De mim.

Tive algo que busquei por muito tempo.

E joguei fora.

O que eu faço agora com essa culpa?

Eu já pensei em tanta coisa... em jogar fora minha habilitação, em nunca mais dirigir, em viver ainda mais rápido.

Mas você, talvez sem querer, me fez conhecer a mais sábia provação.

Cabe a mim agora, sempre tão afoito e impaciente, aguardar. Ver o relógio passar devagar, torturante, pelas horas e minutos. Aprendendo a ser mais cuidadoso, mais atencioso. Mais contemplativo. Valorizar o que tenho e o que perdi. Crescer. Envelhecer.

Pra mim essa distância é só um hiato.

Eu ainda quero acreditar e esperar. Não sei bem por quanto tempo. Até quando essa vontade persistir. Não porque algo me foi prometido (não foi), não porque busco uma ilusão (não busco). A razão é muito simples. Eu quero esperar. Hoje, eu quero. Por você, eu quero.

Logo eu, que já havia me convencido a não esperar por mais nada....

mas você me ensinou que desesperança é um erro. Que ainda vale a pena.

Pode apostar que eu estou aprendendo.

E saiba que o que sobrar no fim de tudo isso será alguém mais forte e mais observador.

Qualquer dia desses, se você quiser (e se eu quiser), te proponho uma carona.

Pra você ver que eu agora dirijo diferente.

Pra você ver que eu voltei a pensar. Em mim e nos outros.

E que eu não vou errar de novo o que já errei. Com você ou outra pessoa.

E levar embora o seu medo.

E o meu.

O tempo é como um jovem. Ele nunca para.

Ainda bem.

sábado, fevereiro 09, 2002

Noites Cariocas

Não lembro ao certo que dia foi. Nem como você saiu. Era madrugada e eu dormia. Pela manhã já estava tudo consumado.

E aí, sem vocês, vendo a casa sem vida e silenciosa, eu percebi.

O quanto tudo em que eu me apoiava era passageiro. E desmoronou.

Eu estou confuso sem você por aqui pra me aconselhar, me responder tantas e tantas coisas que vêm me assolando ultimamente.

Pra me dizer se existe algum remédio que leve embora toda essa dor e tristeza.

Volta logo...

Tudo passa tão devagar, se arrastando, sem cor.

Eu queria que você visse que eu dei conta de tudo certinho na tua ausência. Não fiz merda, não enlouqueci, não deixei nada transparecer para não desanimar os outros.

Do jeito que você ensinou.

Se você tivesse visto, teria ficado orgulhoso.

Mas nem tudo está bem.

Porque depois da sua partida, eu me vi preso numa solidão e num vazio imensos (que já estavam lá antes, mas que eu não enxergava), que pesam e doem a cada dia mais e mais.

Meus pensamentos estão confusos. Não sei mais o que fazer. Não consigo raciocinar mais. Está tudo sendo drenado pelo buraco negro dentro do meu peito, aumentando, aumentando, levando embora a minha alma.

A minha luz.

Se você pudesse me ouvir....

Eu percebi que tudo que eu fiz e faço é só uma maneira de escapar desse vazio, de não pensar em nada, de só agir e reagir automaticamente.

Eu ando vivendo desregrado, sem rumo, cambaleante, anestesiado, atormentado, inventando e inventando coisas pra me entreter.

Sem conseguir.

No fun......no funnnnnnn........

Eu preciso mesmo de companhia.

Pra encarar o vazio dessa casa.

E do meu peito.

Já não sei mais de nada. Tudo me parece vasto e distante.

Precisava dos teus conselhos, da tua voz ecoando pelos quartos.

Da sua alegria.

Não há mais alegria agora.

Como eu te disse, eu fiz tudo do jeito que você me ensinou.

Mas volta logo, pois eu não sei por quanto tempo consigo me manter em pé.

E fingindo.

Volta logo.

Pode ser por uns meses, ou anos. Ou dias.

Preciso de forças antes de me despedir de vez. Pra conseguir resolver tudo que eu sei que não tem nada a ver com sua ausência.

Mas que ela me fez sentir e enxergar.

Forte demais.

Volta, anda.

Eu preciso, de você, de alguém, de uma certeza.

To com saudade.

Um beijo.

domingo, fevereiro 03, 2002

A Urca

...e sete dias se seguiram....

A tarde passava arrastada no dia sem luz. Desceu sete lances de escada, no escuro.

Era chegada a hora, mais uma vez, de trilhar o velho caminho tantas vezes pisado.

Em sus velha trilha, que não visitava há tempos, já não ouvia o barulho dos carros ou da cidade grande. Apenas o canto dos pássaros e os risos dos que se banhavam em águas sujas.

Bem-vindo de volta. Eu sabia que você voltaria. Não se iluda. Aqui é o seu lugar. Onde você pertence.

Andou com passos lentos sobre o asfalto gasto, e com lágrimas nos olhos vislumbrou o mundo verde e azul. Tão imenso e tranqüilo. Como naquelas manhãs de Cabo Frio, vendo a lagoa acordar, enquanto o café no fogão dominava o ambiente.

Onde foi que deixara toda aquela paz ?

Tudo é tão belo e brilhante na pista. Tantos detalhes e pequenas visões que passam despercebidas. Você nem sente o cansaço ou o calor.

Há sempre algo de diferente na paisagem, assim como quem te levou a ali estar não ser a mesma pessoa.

Mas o sentimento, a sensação.....é tão familiar...

Nada de novo.

Tudo igual abaixo do Sol.

Pra quê se iludir, garoto? Por que não abraçar de vez o seu destino? Você só deixa o seu lar pra voltar cada vez mais envelhecido e cansado....

O velho caminho, ele sabe bem como termina, o que oferece, o quanto exaure.

Mas sempre volta. Mesmo sabendo de tudo. Mesmo sabendo que o terminará sozinho.

Pois a trilha, em seu final, não traz nenhuma grande visão, nenhum pote de ouro.

Toda a exuberância dá lugar a um grande paredão de pedra nua e deserta.

O fim.

Que não te dá opção alguma a não ser olhar para trás, virar-se para a direção de onde se veio e voltar para onde sempre se esteve.

segunda-feira, janeiro 21, 2002

Dois num bar

- Viu aquela gatinha ali? Cara, que bundinha.....

- Sensacional! Caraca, to doido por uma putaria, bicho!

- Sei como é. Eu também. Ainda mais com uma bundinha dessas...

- É. Nada melhor. Você ta lá agarrando a mulher, altas sacanagens e enche a mão pegando num rabo desses.

- Puta merda, nem me fala. Adoro peitos e bundas...

- São tudo, cara, ah...

- Mulher é muito bom.

- Porra, tem certas coisas sobre uma mulher que são inesquecíveis. Nunca vou esquecer a primeira vez que uma mulher suspirou meu nome numa trepada. Quase gozando.

- É de chorar...

- É. Quando é uma mulher que você gosta, então...

- Pó, nem fala nisso...

- É engraçado. O filho da puta do Roberto Carlos tava certo. Tudo está nos detalhes, cara. Uma mulher bonita, gostosa e que te dá tesão tu acha aos milhares no Rio. Só nesse bar tem umas vinte...mas o diferencial, cara, o que faz ela ser especial pra você...

- É. As pequenas coisas...aquilo que faz dela única. O jeito de te olhar, de dizer seu nome, de abraçar..

- O perfume, o corpo, as mãos.... a delicadeza da orelha, do desenho da nuca...os pelinhos clarinhos no braço...

- Você sabe que ter uma mulher do teu lado te deixa mais centrado pra tudo. Até pra cair na putaria.

- É outra coisa....

- Somos dois merdas. Cheio de mulherzinha aqui, uma mais gostosa do que a outra, e a gente com esse papinho de mulher que se gosta...porra...a gente dia era levantar dessa mesa a sair cantando elas, tomar uns tocos, falar merda, putaria bicho, putaria.

- São os detalhes, cara. Os detalhes...que por mais que a gente beba e faça merda, a gente não esquece.

- Nunca. Mesmo com elas longe. Mesmo coma gente bêbado. Mesmo que tu arrume outra mulher. Cada mulher que já te foi única é inesquecível....

- São os detalhes cara, os detalhes....

- Roberto Carlos filho da puta.

sábado, dezembro 29, 2001

Aos pedaços

Eu já percebera há muito tempo atrás. Mas mesmo assim continuo. É inevitável. Não tenho mais opção.

Mais uma noite. Outro dia que nasce antes de eu dormir. Mas que eu não vejo. Não enxergo nada.

Em cada mesa de bar em que eu já estive, em cada porre, em cada cerveja, em cada gole eu deixei um pouco de mim. Um pedaço dos meus sonhos e expectativas.

É tudo uma tentativa vã.

De esquecer que os dias passam e que, por mais que eu me esforce, continuam seguindo o mesmo caminho.

Tudo é descartável e sem sentido. E solitário.

Nem mesmo os bares me ajudam mais.

Eu apenas gostaria de mais momentos memoráveis.

De me sentir um pouco mais completo.

Eu adoraria dizer que é o fim, que é uma mudança, um rompimento....

mas é só mais uma noite.

Vou sair de casa apenas pra passar o tempo. Pra não ver que envelheço e perco o brilho.

Pra perder um pouco mais a vaidade e o respeito por mim mesmo.

Que se foda.

Eu sempre via pessoas amarguradas e tristes, largadas em bares e pensava:

"Nunca serei assim."

Mas nada mais que isso, me tornei.

É só mais uma noite.

De um ano qualquer, de um mês qualquer.

Toda noite é igual e torturantemente lenta

quando se está sozinho.

terça-feira, dezembro 25, 2001

Vida besta

- Oi.

- Quem é?

- Você sabe quem. Quem mais te ligaria? Quer dizer, quem mais te ligaria hoje? Quem mais te ligaria achando que não precisava dizer nada além de “oi”.

- Ah, claro. Você. Oi, tudo bem? Hehehe, muita gente me liga, o tempo todo. Eu não tenho como saber quem é.

- Pensei que você saberia. Se você me ligasse e dissesse apenas “oi”, eu saberia que era você, sabe?

- Isso é porque você não tem vida social, não tem amigos, não tem nada. Você não pode exigir que eu seja tão derrotada quanto você. Eu não sou. O meu mundo não gira ao seu redor.

- Não é isso. É só uma questão de importância.

- Importância ou insanidade?

- É, se você me ligasse, pensando melhor, eu não saberia dizer quem é.

- Por que você conhece muita gente?

- Não, porque eu não conheço ninguém. Inclusive você.