Por pouco
A festa se desenrolava no pequeno apartamento. Ele e sua mulher chamaram os amigos mais chegados para comemorar. Tinham acertado na Sena acumulada. Os convidados riam alto e destruibuiam tapinhas nas costas do casal. Agora sim eles poderiam viajar e conhecer o mundo, comprar um carro, dar festas, se divertir. Viver.
Sua esposa veio abraçá-lo. Enlaçaram-se como no início do namoro. Ela, sorridente, já estava alterada pelo torpor do álcool. A noite seria especial. Ela o olhava com desejo. O sucesso é o maior afrodisíaco.
Após beijá-lo apaixonadamente, comentou:
- Nossa, ainda bem que você desta vez mudou os números! Você sempre jogava no 27. Hahaha...o que não é o destino...você jogando os mesmos seis números há anos e quando finalmente muda pro 26, nós ganhamos!!
Ele gelou. Jogara no 27. Como sempre. Há anos. Como assim 26?
Desvencilhou-se da mulher. Correu ao quarto onde jazia largado, num canto, desfolhado, o jornal do dia. Procurou pela a página onde estavam os números da Sena. 26.
V-i-n-t-e-e-s-e-i-s.
Filho da puta.
Desesperou-se. Lera errado. Podia jurar que tinha visto, finalmente, todos os números em que vinha jogando fazia tantos anos. Tantos anos que às vezes pensava realmente valer a pena continuar jogando AQUELES MALDITOS SEIS NÚMEROS. SEMPRE OS MESMOS.
Por várias vezes pensara em trocar de jogo, mas terminava sempre com a mesma combinação. Tinha a esperança de que, um dia, ganharia jogando nos SEUS números. Do seu jeito. Os números em que acreditava.
Todos os planos e viagens que imaginara pareciam agora ridículos e distantes. Todas as possibilidades de futuro se transformaram na certeza da mesmice. A alegria era agora frustração. Forte, palpável, lascinante. Não ouvia mais as vozes fora do quarto. Não ganhara. Fora enganado por seus olhos. Lera o jornal correndo e com pressa, esquecendo-se das pequenas notícias, que dizem muito mais que as grandes manchetes, indo direto para a página de resultado da loteria. Leu o jornal com a pressa dos que já não conseguem mais esperar para finalmente vencer...e perdera.
Talvez, no fundo, sua vontade de acertar o tenha feito enxergar o que não existia. O que não pode ser encontrado em nenhum lugar na vida real. Os seus números.
Uma tentativa, meio desesperada, de ter a confirmação que todos aqueles anos de espera e crença não tinham sido em vão.
Largou o jornal num canto. Pegou o bilhete de loteria do bolso. Lá estava o 27. Suspirou e caminhou em direção à porta. Havia uma notícia ruim a ser dada e uma festa sem sentido que precisava acabar.
Abriu a porta prometendo a si mesmo que, na semana seguinte, jogaria outros seis números.
Mas sabia que estava mentindo.
sexta-feira, setembro 28, 2001
quarta-feira, setembro 26, 2001
Sem Título
Ela me ligou e me disse que talvez pode ser.
Era bem mais que eu esperava. Era tudo que eu esperava. Se ela soubesse...se ela soubesse que esse simples aceno pode mudar tantas coisas...que a possibilidade, apenas a possibilidade, de mudança poderia fazer alguém tão feliz.....
Parece o Charlie Brown falando da "menininha ruiva".
O que eu espero? Não sei. Outro telefonema? Um encontro? não sei. Eu quero tudo, apesar de saber que não posso querer nada.
Tudo ficou leve. O sorriso não sai do rosto. Andando em nuvens, não ouvindo as conversas ao redor. O que há ao meu redor? Ela ligou, cara. Não há mais nada ao meu redor. Só a leve euforia e esse sorriso que não sai da minha cara.
Ah, eu não me sentia assim desde os 15 anos....
Se ela soubesse....
talvez ela saiba. Ou nem desconfie. Como saber? Só resta esperar, pagar pra ver, arriscar. Finalmente. Mais uma vez. Ter uma crença, afinal. Voltar a sorrir. Quem sabe? Quem pode dizer?
Ninguém. Só ela.
PEIXES: Momento favorável para romances e paixões. Poderá ter início algum relacionamento marcante e inesquecível. Você está numa fase de amadurecimento de idéias e tomadas de posição na vida.
Deus...até os astros conspiram contra mim.... até o horóscopo do jornal acertou, hoje.
Mas não vou fazer como antes.
Eu aguardo por ela. Mas não vou ficar esperando.
terça-feira, setembro 25, 2001
Gladiadores
Por mais que lutemos de forma diferente,
trazemos conosco as cicatrizes
das batalhas vencidas (e perdidas)
que doem até hoje
mesmo quando não faz frio.
Recolhemos os restos das armas
e descansamos para a próxima batalha
que, sabemos, virá,
pois não há escapatória.
É do nosso cerne
a mais firme convicção
de não desistir, mesmo quando não há forças
e de seguir, mesmo após uma derrota.
Por mais que lutemos diferente, meu caro amigo,
e por mais opostos que sejamos
ainda acreditamos na honra
e esperamos por mudanças no horizonte.
domingo, setembro 23, 2001
Ébrio
As lembranças são tão turvas. E a boca rescende à amargura.
É engraçado o quanto o vinho nos torna mais belos.
Eu não lembro o que eu te disse.
São apenas flashes.
Da noite e do dia já claro.
Mas eu sei que as minhas palavras foram tolas.
Meus sorrisos, fartos
e minhas mentiras, sinceras.
Pois é sempre assim nessa ocasiões
em que você não lembra de nada
mas sabe perfeitamente o que aconteceu.
sexta-feira, setembro 21, 2001
O chá dos imortais
(Mais uma tarde de chá na ABL. Velhos babões sentam-se nas mesas do antigo salão. Em uma mesa grande, junto à parede, repousam pratos de pastéis de Belém, amanteigados de Petrópolis e delicados canapés.
Dois escritores conversam. A mesa está cheia de xícaras de chá vazias e de restos do que um dia já fora um prato de canapés. Um deles, após sorver preguiçosamente o conteúdo de sua sétima xícara, inicia conversa com seu colega acadêmico)
- Interessante, o seu último livro. Sabe, ainda bem que você parou com aquela merda de emular o Kerouac e os Beatniks. O estilo desse está melhor, está mais, mais....você.
- Hehehe...Kerouac é foda. Bukowski...ahhhh porra, eu fiquei preocupado com esse livro...é confessional demais, sabe? Transparece muito de mim ali. Minhas aflições, meus fantasmas. Eu tive medo. Sério. Quase reescrevi tudo. Outro livro sobre putaria e bebedeira hehehehe, o meu habitual.
- Tem momentos na vida em que... eu cheguei num ponto em que precisei...eu gostei de você ter se mostrado mais nesse livro, cara. É preciso se confessar de vez em quando... sabe, os personagens dos meus livros...foram sempre um reflexo do que eu queria ser. Caras frios, sem emoção, que tinham a solidão como companheira e amiga....mas numa hora eu TIVE que me mostrar mais...e fazer um livro sobre alguém como eu, entende? Sonhador, sincero... eu sei que pra você tudo isso em que acredito é ridículo, mas é como eu sou! Foda-se! É meio constrangedor, mas aquilo te corrói. Mentir o tempo todo corrói.
- Nem é ridículo. Eu gosto do que você escreve...não tem nada a ver comigo, mas me comove...como eu sei que você gosta do que eu escrevo também. Qual será a razão? Qual o motivo que nos leva, mesmo sendo tão diferentes, a sentar juntos nesta mesa de chá toda a semana? Do jeito que somos, não deveríamos nem nos falar, e ainda assim somos amigos....
- Eu sei o que é.... na verdade, nos damos bem porque vemos no outro coisas que faltam em nós...porque queríamos, mesmo sem perceber, ser um pouco mais como o outro é, mesmo isso sendo impossível. Veja: talvez falte em mim, talvez eu queria a sua ousadia no jeito de viver, de não se contentar com essa vidinha, de viver no limite do submundo, da sujeira...de aproveitar a vida sem medir as consequências, de pensar menos...isso me faz falta....e, talvez, você admire em mim a minha sinceridade e o meu desprendimento de certas coisas. O fato de eu não ser um escravo do meu personagem social, entende? Talvez você veja em mim um pouco da inocência, da crença na verdade que você precisa para encontrar um ideal, para conseguir a paz de espiríto que você sabe não ter.
- Talvez....é engraçado....porque vemos isso como coisas boas um do outro....mas não sabemos, na verdade, quão boas ela realmente são...ou quão mal nos fazem....
...
...
- Hehehe... impressão minha ou baixou uma melancolia?
- Hehe... acontece depois da sétima xícara de chá.... o que nos resta? Outro chazinho?
- Claro.
- Garçom!! Mais dois chazinhos, por favor! E vê uma porção de amanteigados também! No capricho!
(E segue o chá, no velho e suntuoso salão)
domingo, setembro 16, 2001
Na minha mente
Cai a chuva na cidade. Pesada demais. As horas se arrastam e faz frio. Tudo que eu queria saber é onde você está. Por onde você anda que não está em casa. Num dia como esse, perfeito para se ficar junto de alguém.
Talvez você esteja. Provavelmente.
Tem horas que, no silêncio, eu me arrependo. E quase te peço pra voltar. Pra me esperar.
Como se eu tivesse o direito.
Não tenho.
O mundo dá voltas.........
se eu soubesse que seria assim.....
É tarde demais. e eu estou aqui, sozinho, vendo a chuva cair e os minutos não passarem.
Se eu voltasse no tempo e te deixasse ficar junto a mim (apesar dos pesares) tudo seria mais claro
a casa seria menos vazia.
e o dia seria, aí sim, feliz.
domingo, setembro 02, 2001
Conjunto da Obra
Eu já conheci muitos caras merdas, mas você barra todos eles. Você não tem vergonha dessa mediocridade? Como você consegue ser assim? Como vive consigo mesmo? Como?
Eu não consigo. Na verdade, eu não sou eu mesmo. Entende? É errado você pensar que eu sou eu. Eu sou um conjunto. Um resultado de uma série de fatos, acontecimentos e influências. Inclusive astrais, se você acredita nisso.
Blah! Você quer é botar a culpa da sua merdice nas outras pessoas. Seu fraco de merda.
Não. Você não entende. Ninguém é culpado de ser o que é. Você não é culpada de ser uma mulher mimada, superficial e geniosa. Eu não tenho culpa de ser um banana passivo. A gente é um resultado. É tipo uma porrada de caminhos que caem numa mesma estrada que ainda está em construção, entendeu?
Eu sou a escola em que estudei. O garoto do Jardim II cujo nome não me lembro mas que me sacaneava sem parar. Eu sou o meu pai tirando meus dentes de leite ele mesmo. Sou minha mãe saindo de casa pra ir no IBEU e me deixando com a empregada. Eu sou o olhar dessa empregada. O aroma da cozinha da minha casa. Eu sou a menina que me causou minha primeira ereção. Será que você não entende? Ninguém escolhe ser o que é. Não num primeiro momento, entendeu? É claro que você tem o rumo da sua vida e pode mudar seu jeito de viver se quiser, mas não o seu ÂMAGO, a sua ESSÊNCIA. Isso transcende você. É maior. Você se descobre adulto um dia e aquilo ESTÁ LÁ. Você é todos os lugares em que você esteve, todas as pessoas que conheceu, todos os sorrisos que deu, as lágrimas que derramou. A alegria e a desilusão. Os sonhos que colocaram na sua cabeça. VOCÊ NÃO VIVEU A MINHA VIDA. NÃO PODE ME COBRAR NADA.
Talvez. Mas posso ir embora.
Sim. Pode. Te dou razão.Vai. Mas se lembre. Não é só culpa minha. É de tudo. Como naquele conto do Veríssimo. Saca? O do que quando um casal vai pra cama ele nunca vai sozinho...lembra? Tem sempre os pais, os ex-namorados.....
Blah. Cansei. Nunca vou te entender. Eu tentei. Mas não consigo.
Não tem problema, querida. A culpa não é só sua.