quarta-feira, novembro 21, 2001

Retorno ao grande nada

Eu juro que fiz todo o possível. O meu melhor. Eu juro. Tentei.

Sair daqui, mudar, não ser mais tão TÃO....assim como eu sou. Quis ser mais leve, mais agradável.

Diferente.

Porque eu fui chegando à conclusão que não era mais uma pessoa agradável. Que fiz a pior coisa que um ser humano pode fazer em relação a si mesmo: eu desaprendi a rir de mim mesmo. Passei a me levar a sério.

Eu quis acabar com isso. Voltar a 1996. Quis ser o que me pediam.

Mas não consegui.

Pois sempre aparece algo, nas horas mais impróprias, que me traz de volta essa sensação de desilusão, de decepção....

É como quando você está no colégio. Moleque ainda, e vai ter aquela festinha de playground na casa de alguém. E onde uma certa fulaninha vai estar.

E você se prepara e imagina como vai ser a festa e o encontro com ela. Imagina seus gestos, as palavras, as situações, as músicas...

...e ela não vai à festa.

O que é ainda pior do que se ela tivesse ido e ficasse com outro. O fato dela NÃO IR é muito mais frustrante. A festa parece então muito mais vazia. Tudo que você imaginou parece tão ridículo. Todo o tempo que você gastou parece desperdiçado.

Aqui estou eu. Sentindo-me assim. Mais uma vez. Não sei mais o que fazer pra mudar e ser diferente, como prometi.

Talvez eu deva apenas ir às festas.

E não esperar por fulaninha alguma.

quinta-feira, novembro 15, 2001

Longe de tudo

Deixei solto meu pensamento
dando-lhe corda para que voasse longe
visitasse recantos do mundo que nunca conhecera
desenhasse as mais exóticas paisagens
conhecesse as mais diferentes pessoas
alimentei seus desejos de liberdade e de novos ares
aticei sua curiosidade
dei-lhe todo o tempo
para que, longe de tudo, pairando no espaço,
ele acompanhasse o mundo girar lentamente
e na euforia de tanta beleza resolvesse caminhar pelo universo
indo assim cada vez mais longe
se distraindo com tantas novidades...

Rezei para que ele não tivesse pressa
e fosse onde nunca antes estivera
no mais escuro oceano de estrelas
pra ver se assim ele esquecia o caminho de volta
e me deixava então um pouco sozinho
sem pensar.

Não funcionou.

Pois quando o dia silenciou e o novo envelheceu,
muito mais rápido do que eu poderia supor
Ele voltou.

E trazia consigo
ela.

quarta-feira, novembro 14, 2001

Mantra urbano

Tarde abafada e de chuva fina no Rio. Quase hora do rush.

Parou na lanchonete e pediu uma promoção de um salgado e refresco.

Cartão.ATL.e.Telefônica.dez.reais

Pessoas corriam para pegar os ônibus já lotados. O chuvisco umedecia lentamente a calçada. Só mais uma tarde de quase-verão. Como tantas outras.

Cartão.ATL.e.Telefônica.dez.reais
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Voltava de uma despedida. De uma pessoa e de uma dúvida que ele agora não mais precisava carregar.

Nada terminou como ele esperava, mas, ao menos, terminou. Era o que ele queria.

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Olhou para a moça que vendia o maldito cartão de celular pré-pago. Que repetia a mesma frase infinitamente, sempre em pausas iguais, mecânicas. Reparou em todo o desânimo que sua voz monocórdia trazia. A desesperança, o cansaço de se ficar sabe quantas horas por dia repetindo sempre a mesma frase.

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Quantos projetos e ambições estavam ficando de lado enquanto ela vendia esses cartões? Quantos sonhos haviam sido enterrados e quantos outros nasciam em sua cabaça a cada instante, para tornar o trabalho mais suportável?

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Naquele momento, comendo o salgado já um tanto passado naquele final de tarde, ele resolveu que não queria aquilo para sua vida. Ser prisioneiro de sua própria sobrevivência, fazendo e vivendo algo que detestava. Lutaria até quando pudesse e até quando lhe fosse permitido.

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Sentia um misto de raiva e pena da vendedora irritante, aprisionada em sua condenação quase mitológica, um titã Atlas de Botafogo. Um mártir do que pode ser o futuro de cada um de nós. Dias desperdiçados em um trabalho insuportável e repetitivo.

Queria bater na vendedora, ao mesmo tempo em que desejava ter dez reais para comprar um cartão que nunca iria usar.

Por pura pena.

Agradeceu a Deus por, ainda, ter alguma esperança de viver como sonhara. De ter tido chances que outros não tiveram. De ainda ter um motivo para acordar e se agarrar à vida. Que parecia naquele instante tão presente e preciosa.

Por um instante, sua mente voltou-se para quem deixara para trás, contra a vontade. Por um segundo imaginou como tudo poderia ter sido mais fácil e bonito.

Mas afastou o pensamento. Era tarde.

Cartão.ATL.e.Telefônica.dez.reais
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Ele quis se livrar das dúvidas e conseguira. Agora lhe restava a inapelável certeza. A mesma que se por um lado, o fazia se sentir vazio e solitário, também o deixava mais leve.

Era tudo o que pedira.

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