domingo, março 24, 2002

Sossego

“...olhou para o rosto lívido e calmo. Quase infantil em sua tranqüilidade.
E, ao se encontrarem, formou-se no rosto feminino um sorriso sincero."



O abraço dela levou embora a dor.

E, com a dor, foram-se as palavras.

Por que é tão mais fácil se escrever sobre a tristeza?

Por que é tão difícil passar para o papel a sensação de alívio e paz que sentimos tão poucas vezes na vida?

Algumas pessoas resolvem seus problemas. Outras os (re)vivem eternamente, prisioneiros de seus traumas e decepções passadas, deixando o medo e as lembranças guiarem seus atos e escolhas.

Eu já fui dos dois tipos.

E, por alguma razão, sempre me foi muito mais fácil escrever sobre tristeza e decepção.

Sobre perda e saudade.

(É sempre mais fácil escrever sobre si mesmo.)

Pois se apenas sobre a solidão sei escrever, abdico, então, da literatura.

Troco tudo por mais um beijo. Pelo calor da tua respiração junto à minha. Pelo modo delicado e carinhoso com que dizes meu nome.

Eu troco todas as palavras. Todas as frases. Todas. Qualquer uma.

Deixem quieta a minha alma.

Deixem seca a minha pena. Não há tinta, por enquanto. Não pra sentenças tortuosas e densos arremates.

Deixem livre o meu espírito. Ele merece, depois de tudo, lembrar o que é paz e alívio.

Antes o vazio era eu. Agora são as folhas de papel.

Que elas fiquem assim por muito tempo.

Eu troco tudo, todos os livros, todos os textos. Todas as palavras que o abraço dela levou e parecem agora tão exageradas.

Eu troco tudo.

Por um pouco do seu sossego.