terça-feira, setembro 24, 2002

Música para os cegos

- Fala, em casa hoje? Logo você não saindo sábado?

- To sem grana e sem saco.

- Pois é . Eu também. Parece tudo meio chato, sem graça. Não sinto mais o mesmo tesão por sair pra boate, dançar pra caralho, catar mulherzinha.

- Ah, a gente encoleirou...ta mais velho.

- Ah, mas sei lá, deve ser só fase, daqui a pouco a gente vai sentir saudade de zoar e...

- As músicas que eles tocam não são as que queremos ouvir.

- Hã? Claro tem isso também, essa merda de new-metal e...

- Não. Não, você não sacou? A músicas que eles tocam não são as que queremos ouvir. Não é a que eu quero ouvir. Não são mais as pessoas que quero encontrar. Não são mais as coisas que quero fazer.

A cada saída minha...mais eu conto as horas pra chegar em casa.

Cada vez entendo menos gírias, menos códigos e posturas.

As pessoas parecem cada vez mais jovens. As mulheres, mais crianças.

E eu não gosto de olhar pra elas porque...porque...elas refletem meus erros. Meu passado. Meu tempo. Que já se foi.

E aí eu me sinto deslocado. Desperdiçado. Velho.

Não pertenço mais àquele lugar onde fomos tantas vezes.

As músicas que eles tocam não são a que queremos ouvir.

Porque eu quero ouvir algo que me traga frescor e vitalidade, e não um flashback de um final de adolescência. Eu não quero viver de passado.

Eu quero as minhas músicas, que me dizem algo, que eu vou guardar pra sempre.

Eu quero novas músicas eternas.

Daquelas que, por mais discos que eu ouça, sempre voltarei meu pensamento.

Porque as músicas são como nossas certezas

a cada dia menores e mais desimportantes.

E as que restam...o pouco que resta...a gente se agarra com o desespero de um bebê amedrontado.

E naqueles momentos em que não há com quem contar, elas dão um sentimento de conforto e crença.

Nos aconselham e nos fazem bem.

Só que agora eu quero escutá-las em casa, no escuro, quieto

Deixando os sons passearem pelos olhos fechados.

A música que eu quero é a música dos cegos.

Porque é o som quem os guia.

E é disso que eu preciso.

Quem me guie.

Não quero mais me perder.

Eu não quero mais me sentir como se tivesse perdido algum bonde, algum trem. O fio da meada.

Eu quero sentir o conforto do lar em qualquer lugar que eu esteja.

E cada vez eu me sinto menos em casa.

As músicas que eles tocam não são a que quero.

São músicas para quem não quer ouvir nada.

E de um tempo pra cá eu prestei mais atenção ao ato de escutar.

E o mais engraçado... é que as músicas são as mesmas

A que eles querem, eu já quis. Já tive. Já perdi.

E tantos outros antes de mim.

Nunca mudaram.

Rigorosamente as mesmas

Desde sempre.

quarta-feira, setembro 04, 2002

Olhos de camaleão

Era perfeita.

Daquelas que quando se vê não se pode deixar passar, não se pode deixar perder. Não se deve deixar de arriscar.

Eu tive uma idéia perfeita. Pra um texto perfeito. No meio da madrugada.

Mas eu adormeci...e a idéia se foi no sono confuso e pesado.

Não restou nada. Só o seu perfume.

Você sabe o quão vasto fica meu quarto depois que você vai embora?

Esse silêncio machuca, tortura, incomoda.

Eu gosto da sua voz. É simples assim. O que mais eu posso dizer? Pra que complicar? Eu gosto e pronto. Me deixa feliz...me faz menos sozinho.

Soa doce e familiar no telefone.

Dá pra dizer isso de modo menos puro?

Gosto de quando você diz que os meus olhos são lindos porque mudam de cor de acordo com a luz.

Eles também mudam de cor quando te vejo.

Ficam adocicados.

Tenho certeza.

Eu gosto de você do meu lado.

Mas você se vai...e até um outro dia tudo vai ficar assim: quieto.

Distante.

Saudoso.

Como eu queria lembrar daquele jogo de palavras, daquelas metáforas, daquelas sacadas geniais.

Foram embora.

Só me restou então sentar aqui e dizer a verdade.

Ser simples e direto.

Transparente.

Parecer bobo e frágil.

E escrever qualquer coisa...porque no fundo nenhuma frase vai soar como no meu peito e na minha imaginação.

Essa é a eterna frustração e busca de um escritor.

E eu sofro por isso a cada ponto final.

Mas sei que amanhã você vai me encontrar, e ao me abraçar com olhos mareados, vai dizer: “Foi lindo o que você me escreveu, amor”.

Tudo então vai ser menos quieto.

O quarto, menos vasto.

Não vai haver mais dor.

E então eu sei que vale a pena. Tudo.

terça-feira, setembro 03, 2002

Pastel de vento

Eu cheguei tão perto que é quase impossível acreditar.

Houve um momento.

Mesmo tendo acontecido comigo, eu me pergunto se foi mesmo daquela maneira.

Eu hoje precisei sair só e olhar as coisas de um outro jeito. Hoje precisei sair do meu corpo pra ver de outro ângulo o caminho que estava seguindo.

Tem horas que é preciso alguém te sacudir e apontar o que todo mundo já viu. O que está sempre lá. O que não se percebe, ou o que não lembramos.

Mostrar que não importa o que não se esquece, se isso já passou.

Que uma ferida cicatrizada não dói mais.

Eu sou do tipo que precisa de uma porrada de vez em quando.

Hoje eu precisei dar um tempo de mim mesmo. E sentar nesse bar, deixando a solidão me lembrar de como um dia tudo já foi diferente.

O maior problema de se estar feliz é que esse sentimento acaba te fazendo achar que tudo

sempre foi assim. A tristeza parece um passado distante, um sonho estranho.

Parece que não foi com você. Parece uma história que alguém contou.

Mas basta um gesto, uma palavra, um ato.

E tudo se perde e se encontra.

Tudo na vida é assim. Uma fração de segundo. Um mísero erro involuntário...

E nem sempre se tem a chance do perdão, do conserto, da mudança.

Eu cheguei tão perto que é difícil acreditar.

Hoje precisei me desligar de tudo e simplesmente ficar aqui por horas. Até perder a noção do tempo e espaço.

Eu precisei me despedir de mim pra me reencontrar.

E voltar a enxergar.

Quem eu fui e quem eu sou.

Às vezes é preciso olhar pra trás.

Mas com cuidado pra não olhar por tempo demais.

Agora eu sei.