quarta-feira, novembro 13, 2002

Quão cedo é agora?

Tem algo nessa música que é cortante, que é torto, errado. Que fere meus ouvidos.

Tudo nela recende à solidão, desesperança e desilusão.

Eu lembro como se fosse hoje.

Do canto das cotovias e dos dias que amanheciam embriagados.

E da guitarra rascante e descompassada.

A única canção que me fez chorar de luto.

Em silêncio.

Em seco.

“Quão cedo é agora?”

O quanto essa frase doía pra quem pensava que era tarde demais...

Cansado de noites demais.

Sozinhas demais.

Esse som vai pra sempre me marcar.

Pois estava sempre na tv quando eu chegava em casa

e olhava lobotomizado pro vazio brilhante

pensando em nada.

Eu nunca vou esquecer dessa guitarra

Tão torta e bêbada quanto eu.

Tão dilacerante quanto o grito que eu guardava.

Estranha e incômoda como uma ressaca após uma noite não dormida.

E o clipe...de imagens estranhas...sujas, sem nexo.

E rápidas...tão rápidas que se tornavam incompreensíveis.

Como pode ser cedo se tudo passa tão rápido?

Como pode ser cedo sob o efeito desse lamento metálico, desse choro distorcido?

E a letra...que só fui ler agora...

“Eu sou apenas um ser humano que precisa ser amado

Como qualquer outro.

Eu sou o filho e o herdeiro

De uma timidez criminosa.

O filho e o herdeiro

De nada em especial.“

Nada.

Como algo pode ser tão pessoal se não é meu?

Como pode uma música representar tão bem a solidão do fim de cada festa?

A desiludida volta pra casa?

O dia seguinte?

Quão cedo era agora naquela época?

“Quão tarde é agora?”

Eu nunca soube até o dia em que parei de me perguntar.

Não importa se é tarde quando se perdeu tudo.

Não havia mais o que esperar, o que procurar.

Não pra mim. Não outra vez.

E eu nunca mais fiquei daquele jeito, torto e descompassado.

Voltando de lugares onde não pertencia.

Com ouvidos zumbindo de tanto ouvir lamentos gritados.

Distorcidos.

De metal.

E desde aquele dia, que amanhecia cinza e cansado como todo domingo, não mais ouvi esta música.

A única que me fez chorar sem verter uma lágrima sequer.

Eu sou apenas um ser humano que precisa ser amado

Filho e herdeiro de nada em especial.

Como qualquer outro.

“Quão cedo é agora?”

É tão cedo quanto eu quiser que seja.

O tempo só importa pros que ainda esperam.